Fuss Independent Artists: Jorge Torres Galvão

Postado por Rodrigo Schivi em

Conheça o artista gráfico e independente de Curitiba, Jorge Torres Galvão

 

Se apresente, por favor.

Meu nome é Jorge Torres Galvão (@jorgetorresgalvao), tenho 37 anos, moro em Curitiba e sou artista gráfico. Trabalho com pichação, desenho, pintura, com tudo.

 

Vamos começar do início.

Eu lembro da primeira vez que eu tive um rolê com arte e foi no Centro Juvenil de Artes Plásticas. Minha mãe trampava e me deixava lá durante a tarde. Foi a primeira vez que eu pintei uma tela. Eu devia ter uns 6 ou 7 anos. Depois nunca mais fiz nada, mas sempre desenhava, pirava nos cadernos.

Quando eu estava lá com meus 11 anos, eu comecei a fazer umas letras tribais na sala de aula e inventei uma sigla “JTG”, que são as iniciais do meu nome. Eu riscava com uma chave a carteira. Quando tinha uns 14 anos comecei a pesquisar sobre grafite.

Um amigo meu chegou com uma revista de hip hop e na última página tinha um monte de grafite. A gente começou a olhar aquilo e pirei em fazer. Mas antes disso, eu já andava de skate pra caralho na cidade. Então, eu ia vendo as pichações e isso me levou a querer pesquisar sobre arte posteriormente.

Com uns 13 anos eu já estava pichando. Com 14, peguei o meu quarto e fiz um grafitão, uma letra, um personagem, fundinho quadriculado, bem nos padrões grafite.

Comecei a dar rolê com uns caras de torcida, porque não tinham muitos pichadores de grafite, não era uma coisa difundida em 98, tinham poucas crews.

Em 2003, época de fazer vestibular, eu escolhi fazer belas artes e ali eu tive uma carga artística mesmo de verdade. Não cheguei a me formar. Era muita loucura, trabalhava já com design, então não tinha tempo pra estudar de verdade.

 

Como você descreveria seu trabalho?

Eu faço tela, muro, gravura, arte digital, faço de tudo.

Meu trabalho é um freestyle de grafite, um estilo sujo, muito próximo da pichação ainda, a parte mais gestual vem daquela rapidez da rua, então eu acho que o meu trabalho é meio que uma mistura da carga de rua, com pintura abstrata, com pincelada, com spray, com todas as técnicas e eu vou misturando tudo.

Por muito tempo, eu fiz um trampo que era uma queima de uma carga espiritual, desenhos sombrios, cheguei a sonhar com vários desenhos que eu fazia, era uma parada bem louca.

 

 

Influências.

Eu acho que sempre me influenciei pelo que penso mesmo, sempre busco não ter uma referência na hora de fazer, busco esvaziar minha mente e trabalhar de forma livre. Mas um cara que me influenciou muito é o Gustav Klimt, Egon Schiele, o Hundertwasser, esses caras dessa escola austríaca de pintura. Gosto muito do Gauguin também, gosto pra caralho, o que ele faz acho lindo, o Matisse... Com esses caras foi a primeira vez que eu falei “orraa, isso é muito legal”!

 

Aparecem muitas ‘carinhas’ nas tuas obras...

O gestual sempre me levou a riscar um olhinho, um narizinho... E como fazia grafite na época, e eu não queria fazer mais tanta letra, já tinha cansado de fazer letra, fui atrás de um estilo de desenho, porque queria fazer um grafite diferente.

 

 

Eu consigo ver um desenho e dizer que é teu, ele tem uma marca, isso foi algo intencional?

Foi uma parada que foi sendo construída. Eu até achei que eu era original pra caralho, aí fui ver o Hundertwasser e ele já fazia na década de 60 algo nessa linha. Eu trocava e-mail com uns caras de Londres uma época e eles também tinham uma linha parecida. Era pré-internet, a gente não tinha tanto conteúdo como tem hoje em dia. Então é algo que eu construí no escuro, mas fui ver que participava de algo maior. Fui desenvolvendo esse estilo por conta da ferramenta que eu usava, o spray, e por conta do suporte, a rua.

 

O que você admira num artista?

Eu acho que o artista tem que ser um cara criativo, que não tá nem aí para o que as pessoas falam, faz porque gosta. O que eu admiro muito é o prazer de fazer a coisa, fazer porque gosta, porque tá afim, não porque vai ficar bonito ou porque alguém falou que vai ficar bonito. Acho que tem que fazer o que vem de dentro, o que te traz realização, o que te traz tesão no bagulho.

 

Por que você faz o que você faz?

Porque eu tenho prazer. Agora eu tô trabalhando com design porque eu estava começando a ter muita cobrança em cima, de pagar as contas com o que eu faço, e aquilo meio que me cansou e apareceu essa oportunidade de trabalhar de novo com design. Voltei a trabalhar com isso pra tirar um pouco o peso capitalista da parada, pra fazer baixar de novo o prazer de fazer.

 

Diferença de fazer na rua e fazer na tela.

Se você tá fazendo na rua, os juízes são as pessoas que estão passando, então você vai ter muito feedback, desde que está horrível e até de que está muito legal. Quando você tá na tela, você já pensa num conceito, eu já penso muito mais em técnicas de aplicação dessa liberdade, porque a arte é liberdade, se você não tem liberdade você se fudeu né, você vai simplesmente reproduzir um bagulho que pode ficar bonitinho, mas parece que falta, não sei, tem que ter alma o bagulho.

A diferença da rua pra tela pra mim é essa questão de você poder explorar possibilidades diferentes na tela, com mais calma, pensar um conceito, uma caminhada. Na rua, às vezes, é só pra marcar que você esteve ali. Faço tag até hoje, escrevo Jorge por tudo, é meio que um esporte. Eu brinco que a gente faz o tag esporte fino.

 

 

Como você quer ser lembrado?

Ah, que esse cara faz na zoeira o bagulho, que eu era um porreiro loco. E que vejam que o que eu faço é verdadeiro, procuro ser verdadeiro com tudo que eu faço, fazer com alma, com as entranhas.

 

Processo criativo.

Eu chego rabiscando e a partir disso eu vou juntando camadas, jogando caos em cima, trazendo rua, rua, e na rua você não tem controle das coisas, então eu meio que tento reproduzir isso no meu processo, deixar ele o mais caótico possível, para quando a pessoa olhar ter camadas, sentimentos, base para interpretação.

Tinha uma época que eu estava pintando em Floripa e era mó massa, eu morei lá, eu sentia que era só um canal, tinha uma energia superior e aquilo estava se transformando em tinta através do que eu estava fazendo. Então pra mim é um processo espiritual, de limpeza, você tá leve quando termina uma tela.

 

A arte te salvou?

Ixi, se não fosse a arte eu estaria doidinho no Centro fumando pedra, pedindo 1 real pra fumar mais pedra, me salvou da insanidade. Pra mim a arte e a loucura estão entre uma linha tênue. Você pode ficar louco completo ou virar um artista, como se você estivesse andando em cima do muro da sanidade.

 

Arte e loucura.

Aquele Bispo do Rosário é uma referência muito bonita, o jeito que ele constrói as instalações, e ele fez aquilo dentro de um projeto da Nise da Silveira. Ela viu que o cara ficava bem com aquilo, mantinha ele num lugar de não explodir, de uma não esquizofrenia completa. Então é um negócio que sim, você canaliza energia, você canaliza muita coisa ali, frustrações, alegrias, tudo acaba saindo ali.

Todo artista é louco e todo louco é um artista. É uma linha tênue. Se não fosse a arte, a loucura tomaria conta de mim.

Tenho minha filha e ela me deu um norte pra não ficar um louco completo, pra ser um louco dentro da sociedade, porque a gente vive na sociedade e não podemos abdicar completamente dela e se jogar no mundão de mochila. Eu só não tô no mundão de mochila porque tenho uma outra pessoa que depende de mim. A arte é o limiar da loucura. Tem vezes no processo que você tá pesado e se você não botar aquilo pra fora você vai ficar com aquilo dentro de você, e aquilo vai te fazer mal, vai te consumir ao ponto de te deixar louco de verdade.

 

Teu trabalho mudou depois que você virou pai?

Mudou. Porque eu comecei a ver alegria, coisas bonitas no mundo, comecei a ver cores, quando fui morar em Floripa, sai da cidade, via o pôr do sol lindo pra caralho, a natureza, aquilo me trouxe uma sintonia muito grande comigo e com o que eu produzo.

Antes, eu trabalhava com três tons e tudo coisas sombrias, sempre muito denso. Hoje em dia é denso, mas tem uma leveza por conta das cores e desses sentimentos que trago de fora.

Minha filha, a mudança pra Floripa, foram agregando bagagem e isso vai te deixando mais consciente do que tá produzindo.